
A rotina na Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Escritor Paulo Cavalcanti, localizada no bairro de Rio Doce, em Olinda, começa pontualmente às 7h30 e segue até às 17h com nove aulas diárias. Em 2022, a EREM, que conta com seis turmas em tempo integral, assim como todas as instituições estaduais de Pernambuco, de acordo com a Secretaria de Educação e Esportes (SEE), iniciou a implementação do novo currículo, ou seja, o Novo Ensino Médio.
O modelo aprovado em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) e tem 2024 como ano limite para que todas as escolas brasileiras, públicas ou privadas, passem a adotá-lo em todas as etapas. Neste primeiro momento, apenas os alunos dos 1º anos vivenciam essa mudança.
Com pontos que lembram o ensino tecnicista, o Novo Ensino Médio é apresentado como um modelo flexível e que permite o protagonismo dos estudantes. Focado na formação profissional e afinado com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a grade atual traz mudanças como aumento da carga horária anual, que passou de 800 horas para mil horas, e oferta dos Itinerários Formativos, que são construídos por componentes eletivos, oficinas, projetos, entre outras atividades pedagógicas.
Confira, as seguir, algumas mudanças do ensino médio:

Fonte: MEC. Arte: Elaine Guimarães/VaiCairNoEnem
Na EREM Escritor Paulo Cavalcanti, o novo currículo foi apresentado aos estudantes em um momento criado pela gestão e professores. "Quando a gente entrou na escola, a gente teve um primeiro momento com os professores, cada um na sua sala com os alunos e eles foram explicando como é que ‘ia’ funcionar, como ‘ia’ ser esse Novo Ensino Médio”, explica a estudante do 1º, Noemí Virginia Galdino do Nascimento.
Nas escolas estaduais de Pernambuco, além dos componentes eletivos, demais atividades pedagógicas e formação técnico profissional, o Novo Ensino Médio oferta 16 trilhas formativas nas áreas do conhecimento, que funcionam como complemento às disciplinas básicas (português e matemática, por exemplo). À reportagem, a gestora da Escritor Paulo Cavalcanti, Patrícia Mesquita, explica as trilhas.
“As trilhas são as opções, os caminhos que a escola vai dar ao seu planejamento pedagógico e aos seus encaminhamentos pedagógicos. Já as eletivas estão dentro dessas trilhas. Aqui na escola adotamos duas trilhas: possibilidade e modo de vida. Então, dentro de cada trilha dessa, eu posso ter uma infinidade de eletivas e o estudante vai poder optar por uma delas”, pontuou. Além disso, ela salienta que a nova grade curricular apresenta possibilidades e respeita as particularidades da comunidade escolas e região onde está localizada a instituição de ensino.
Os desafios dos professores
Com a chegada de novos componentes curriculares e a diminuição da carga horária de algumas disciplinas, muitos professores assumiram matérias eletivas que, muitas vezes, fogem da sua formação acadêmica. A lei que rege o atual modelo do ensino médio corrobora a prática ao permitir que profissionais com notório saber atuem como docentes nos itinerários de formação profissional e técnica. Como justificativa, o Ministério da Educação (MEC) aponta que a LDB, no artigo 61, autoriza essa atuação.
Na EREM Escritor Paulo Cavalcanti, os professores Anderson Irineu e Maria do Carmo, mais conhecida como Carminha, assumiram algumas eletivas neste primeiro ano do Novo Ensino Médio. Com formação em história, Carminha também ficou responsável pelas aulas eletivas de lettering e Canva. Já Anderson, além de química, passou a lecionar, também como eletiva, a disciplina de educação financeira.
Ambos falam sobre readaptação e salientam que a escola os deixou “confortável” para a construção das eletivas. “A escola me deixou muito confortável. Pediram que eu escolhesse algo que eu me identificasse. Então, partindo desse princípio do que eu queria e o que os alunos gostavam, a gente fez um ‘cardápio’ para eles escolherem as eletivas”, diz Maria do Carmo.
O tempo em isolamento social, devido à pandemia de Covid-19, foi usado pela docente para a realização de diversos cursos que a auxiliaram com as eletivas. Com a falta de material específico para as aulas, Carminha criou uma apostila direcionada aos estudantes “para facilitar a compreensão” das temáticas. Esse foi o mesmo contexto enfrentado por Anderson.
Com oito anos de docência, sendo dois na Escritor Paulo Cavalcanti, coube a ele assumir a disciplina eletiva de educação financeira e investigação científica, tecnologia e inovação, que é obrigatória no Novo Ensino Médio. “No início foi bastante difícil, porque um professor de química lecionar uma disciplina eletiva de educação financeira é, realmente, bem difícil. Mas, a escola deixou bem à vontade sobre a escolha da eletiva pelo professor. No início, eu não tinha nenhum material que eu pudesse trabalhar com os meus alunos. As formações não ajudavam muito, embora, dessem um norte”, enfatiza.
Mesmo com os desafios, os professores mencionam a necessidade de inovação das práticas em sala de aula. “Cada professor tem que se inovar cada dia, trazer coisas novas para os alunos. Então, quando a gente trabalha uma eletiva ou, até mesmo, uma disciplina do Novo Ensino Médio, a gente se dedica, tenta trazer coisas novas para que os alunos possam também gostar da aula”, reitera Anderson.
Novo Ensino Médio na rede privada
A mudança curricular também chegou à rede privada de ensino neste ano. Ao Vai Cair No Enem, a professora e coordenadora pedagógica do Educandário Jardim Piedade, localizado em Jaboatão dos Guararapes, Patrícia Santos, relembra como o novo modelo foi recebido pela comunidade escolar. "Qualquer mudança que venha a acontecer nessa iniciativa educacional, sempre procuramos iniciar de imediato e pesquisar sobre”.
Com o auxílio de uma organização parceira, localizada fora do estado de Pernambuco, a instituição conseguiu implantar o Novo Ensino Médio com um “leque de possibilidades”, comenta Patrícia. “Estávamos há dois anos falando sobre o novo currículo. Então, a organização foi nos apresentando e o material como opção para inclusão do que estava sendo pedido no modelo educacional. Fomos gostando, agregando alguns pontos e adaptando outros a nossa realidade”.
A apresentação do Novo Ensino Médio aos alunos, segundo a docente, foi em meio ao entusiasmo. No entanto, ela expõe que houve algumas dificuldades com os professores no que se refere às eletivas. “A princípio, a nossa proposta era ofertar as mesmas eletivas, mas percebemos que alguns alunos não conseguiram se identificar com a temática. Então, mudamos as disciplinas neste segundo semestre”, explica.
Assim como na Erem Escritor Paulo Cavalcanti, alguns professores que lecionam no Educandário Jardim Piedade também tiveram redução da carga horária, logo, houve a necessidade de assumir as disciplinas eletivas. “Nós vimos que a professora de biologia tinha um perfil muito bom para investigação criminal. Na disciplina, ela começou com a parte teórica e, no final, os estudantes colocaram a mão na massa. Quando chegou nessa parte, os alunos se encantaram”, ressalta Patrícia.
Alunos aprovam

Divididos entre a curiosidade e receio diante do novo, os estudantes da escola estadual, ouvidos pelo Vai Cair No Enem, aprovam a mudança curricular. “Eu gostei muito desse jeito porque traz coisas novas. É cansativo, mas ao mesmo tempo que a gente fica dentro da sala de aula, a gente também está fora dela produzindo”, observa Verônica Crispim Warchasky.
A mesma opinião é compactuada por Gabriel Cavalcante e Ryanna Vitória dos Santos. “Esse Novo Ensino Médio que chegou agora mudou muito as matérias. Eu senti a mudança, mas as matérias são muito boas”, analisa Gabriel. “Eu achei bem melhor assim do que eu costumava escutar antes, porque eu tenho irmãos mais velhos e eles sempre falavam que era bem chato, que era sempre matérias paradas. E, agora, você consegue ter opção de escolher o que você quer fazer. Tem eletivas, tem matérias que você pode escolher o que quer fazer”, destaca Ryanna.
Para a aluna Noemí, a nova grade curricular também foi positiva. No entanto, ela salienta que a rotina integral é cansativa. “A gente passa uma boa parte do tempo na escola e isso, muitas vezes é cansativo. Além disso, a gente não consegue fazer outras coisas, como um curso, por exemplo, ajudar em casa”, expõe. Por isso, Noemí fará as demais etapas do ensino médio em uma escola regular para conciliar com as demandas pessoais.
Críticas e necessidade de reiniciar o debate
Desde sua origem, o Novo Ensino Médio divide opiniões. Em entrevista ao Vai Cair No Enem, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, que também integrou o grupo de transição da Educação dos candidatos eleitos Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), critica o modelo.
Heleno aponta que a mudança curricular não foi dialogada com os profissionais da área. “Nós combatemos essa mudança na origem. Primeiro porque ela foi impositiva, sem a presença das trabalhadoras e trabalhadores que estão atuando no ensino médio e sem também ouvir a representação do movimento estudantil. O projeto inicial foi atropelado por uma medida provisória, que entra em vigor de imediato, com 90 dias para ser debatida no Congresso, sendo aprovada sem debate, sem a participação nossa”, destaca.
Na análise dele, os conteúdos que integram o Novo Ensino Médio fogem da realidade das escolas da rede estadual de ensino. “Quando a lei diz que o aluno vai poder escolher entre cinco itinerários formativos isso não bate com a verdade, porque as escolas públicas do ensino médio do nosso país não têm condições de oferecer os cinco itinerários formativos”.
Questionado sobre os motivos das instituições públicas não ter condições dessa oferta, Heleno Araújo aponta a defasagem de profissionais para garantir todos os itinerários. Além disso, ele menciona as condições de infraestrutura das instituições para atender a essa demanda e a atuação de profissionais com notório saber. “Isso traz um prejuízo na formação dos nossos estudantes”, justifica.

Tópico sensível também no GT Educação, o tema foi responsável por discussões entre os componentes no que se refere à necessidade da revogação do modelo. “Todas as entidades representativas da comunidade escolar e da academia apresentaram a necessidade da revogação do Novo Ensino Médio. Quem estava defendendo a não revogação eram o Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed)e o terceiro setor empresarial, que está ligado à Fundação Lemann, ao Todos Pela Educação, ou seja, todos empresários que estão de olho em uma pequena fatia da nossa juventude”, expõe o presidente do CNTE.
Durante a campanha presidencial de 2022, o único plano de governo que declaradamente defendeu a revogação da nova grade curricular do ensino médio foi o da, então candidata, Sofia Manzano (PCB). Para Heleno há uma necessidade de reiniciar o debate sobre o modelo porque a lei foi aprovada “em meio a mentiras”. “Nós temos que ir à verdadeira raiz do problema. O ensino médio passou 10 anos abandonado. Essa nova estrutura é baseada em mentiras e está afastado a juventude da escola e retira a autonomia das instituições de ensino”.
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